domingo, 18 de janeiro de 2015

OPINIÃO: Muitos europeus têm de África uma Visão deturpada


"A revista portuguesa VISÃO, de 15 a 21 de Janeiro de 2015, dedica umas boas 20 páginas, e a capa, àquilo a que chama A vida depois de Charlie. Fala de dias de medo e de coragem em Paris, de ameaça jihadista, de liberdade em risco e de outras coisas assim. Mas apenas tem dois terços de página para recordar que, entretanto, na Nigéria, 2.000 pessoas foram mortas num ataque do Boko Haram e dezenas de milhares tiveram de abandonar os seus lares.

A revista insiste no velho chavão de que Somos todos Charlie, mas não tem três ou quatro páginas para explicar como é que os fundamentalistas do Boko Haram estão a arrasar povoações e a assumir o controlo de um pedaço de território com o tamanho da Bélgica.

Gonçalo M. Tavares, Luís Amado, Luís Marques Mendes, José Gil e Júlio Pomar participam neste grande dossier da VISÃO sobre os ataques à liberdade de expressão e a insegurança na Europa, não tendo sobrado colaboradores para fazer o ponto da situação na Nigéria, para explicar como é que o Boko Haram já chegou ao Norte dos Camarões e como é que está a menos de uma centena de quilómetros de N'Djamena, a capital do Chade.

Esta revista é bem um exemplo de muitos outros órgãos de comunicação social que se preocupam com a guerra da República Francesa contro o terrorismo, mas que não lamentam tanto assassínio que ocorre na Nigéria, na República Centro-Africana, no Sudão do Sul, na República Democrática do Congo e em outros rincões da África, berço da Humanidade.

Hoje como há 65 ou há 70 anos, a África continua a ser tratada por muitos europeus como um continente de segunda ordem, um reservatório de recursos naturais, onde a vida humana pouco importa.

Hoje, como em 1945, em 1950 ou em 1955, muita gente na Europa ainda tem uma VISÃO deturpada (em relação ao que se passa para lá do Mediterrâneo); e trata os africanos de uma forma extremamente injusta.

Jorge Heitor, jornalista