sexta-feira, 16 de maio de 2014

Schwarzenegger à moda da Guiné-Bissau


Lusa

Num país onde a pobreza é generalizada, treinar com ferro-velho é o luxo de Gregório da Silva e amigos que querem ficar em forma, parecidos com Arnold Schwarzenegger. "Gosto disto. Sou fã do Arnold". Desde que o viu na televisão e nas revistas, Gregório, 44 anos, quer ser como ele e meteu na cabeça que morar na Guiné-Bissau, uma das nações mais necessitadas do mundo, não haveria de ser obstáculo.

Pegou em jantes enferrujadas, encheu-as de cimento, soldou mais meia-dúzia de peças na oficina de um amigo e em 1989 criou um ginásio a céu aberto na terra batida de Bissau - numa travessa do bairro de Reno, tão estreita que ninguém ali cabe quando o grupo treina. "Há sempre problemas" porque os halteres partem-se, as tábuas de apoio desfazem-se e há sempre alguém a roubar material.

Em maio começa a estação das chuvas que transforma todo o bairro num lamaçal e deita abaixo algumas casas feitas em adobe (tijolo de argila). Nessa altura é mais fácil correr como já fazem muitos guineenses, todos os dias, ao longo da única avenida larga e asfaltada do país que liga o aeroporto de Bissau ao centro da capital. Ser como o Arnold Schwarzenegger é importante para Gregório à porta de uma das discotecas de Bissau, onde trabalha como segurança.

A poucos metros dali, mas em horário diurno, está destrancado o portão de outro espaço improvisado para puxar pelo físico e que também nasceu do sonho de um guineense. Eduardo Alves, 59 anos, emigrou para Cuba com a família quando ainda era uma criança e tornou-se adepto do boxe: "tinham grandes lutadores, ganhavam muitas medalhas e eu encaixei na modalidade".

Subiu ao ringue nos confrontos entre escolas cubanas antes de regressar à Guiné-Bissau na década de 1980 para ingressar na carreira de professor de educação física. Há dois anos, um outro adepto de boxe cedeu-lhe o último andar de um prédio inacabado em Bissau onde entre placas de betão sem acabamentos estão aparafusados sacos de boxe, alguns oferecidos - um assinado pela Académica de Coimbra -, outros comprados graças a uma quota de 5.000 francos CFA (cerca de 7,5 euros) por mês.

Só quem sabe é que descobre o portão numa das esquinas do estádio Lino Correia e depois a escadaria para chegar a uma espécie de local de culto, sem ringue, portas ou janelas. É divulgado pelo passa-a-palavra e é ali que Eduardo puxa pelos treinos, três vezes por semana, durante a tarde. "Aqui só há boxe educativo, amador, isto não é violento", garante.

Tanto Eduardo Alves como Gregório da Silva têm esperança de um dia o país se endireitar para terem melhores condições. Nem pedem lucro, apenas imaginam instalações condignas e melhor equipamento para cumprir o sonho de estar em forma num país de rastos após anos de golpes de Estado e instabilidade política.