terça-feira, 6 de novembro de 2012

Viabilizar, ou não, a Guiné-Bissau?


Nos últimos dias temos vindo a assistir e a registar com muita preocupação alguns posicionamentos que em nada abonam para o futuro da Guiné-Bissau. Com efeito, os acontecimentos de 21 de Outubro, vieram tornar mais sombrios as legítimas esperanças que os guineenses já sentiam com os esforços que estão sendo desenvolvidos no sentido de proporcionar um desejado regresso à ordem constitucional, condição sine qua non para permitir ao país escapar ao peso cada vez mais duro dos efeitos das sanções impostas à Guiné-Bissau em resultado do golpe de Estado de 12 de Abril.

Quando já se sabe que a França e a Espanha vão encerrar as suas Embaixadas, o que aliado ao funcionamento em regime de stand by da Representação da União Europeia em Bissau, bem como da Embaixada de Portugal, então teremos de facto um país completamente bloqueado e com poucas possibilidades de virar o actual estado de coisas.

No meio desta situação deveras preocupante temos vindo a registar várias e diferentes opiniões dos protagonistas neste cada vez mais complicado processo guineense e com consequências gravosas para a Guiné-Bissau e para os guineenses, já confrontados diariamente com a subida vertiginosa dos produtos de primeira necessidade, cujos efeitos colaterais far-se-ão sentir muito brevemente, não só entre as populações, como no seio da própria classe castrense. As nossas preocupações aumentam, quando escutamos o senhor Tenente-Coronel Daba Na Walna, porta-voz do Estado-Maior General das Forças Armadas (ele que foi a mesma coisa no extinto Comando Militar que protagonizou o golpe de 12 de Abril) afirmar que a dissolução da Assembleia Nacional Popular estava iminente, em virtude da falta de entendimento entre o PAIGC e o PRS, em negociações que estão sendo levadas a cabo sob os auspícios do Presidente da República de Transição.

Ainda e a propósito destas negociações, escutamos com alguma incredulidade e preocupação as declarações do chefe da delegação negocial do Partido da Renovação Social (PRS) afirmar sem medir nas palavras que as reivindicações do PAIGC de assumir a Presidência da ANP não podiam ter lugar, porque tal como aconteceu com a escolha e imposição do actual Presidente da República de Transição, o mesmo também sucederia com o Sory Djaló, pois eram escolhas legitimamente abençoadas pelo golpe de Estado de 12 de Abril. Aqui prevalece na verdade a lógica do golpe contra a lógica da lei e da constitucionalidade, o que numa leitura simplicista, transforma implicitamente o PRS como o verdadeiro promotor do golpe de Estado de 12 de Abril, que derrubou o Governo legítimo do PAIGC, em consequência da sua vitória inequívoca e esmagadora sufragada pelos votos dos guineenses expresso nas urnas.

Mais ainda, quando escutamos o Tenente-coronel Daba NaWalna, porta-voz do Estado-Maior General das Forças Armadas e o Secretário-Geral do PRS, Augusto Poquena, fica demonstrado de forma clara a génese do golpe de Estado de 12 de Abril, ou seja, a instauração do poder balanta pela força das armas e do balantismo (22% da população sobre os restantes 23 grupos étnicos da Guiné-Bissau) facto que deve deixar preocupado todos quanto defendem a liberdade e a democracia. Contudo, entendo deixar estas considerações para depois, pois o que interessa de momento é analisar a actual situação política guineense à luz dos últimos acontecimentos, tendo como ponto de partida a pretensa vontade de acabar com a Assembleia Nacional Popular.

Viabilizar ou não o processo de retorno à constitucionalidade?

A única forma possível e aceitável aos olhos dos nossos parceiros de desenvolvimento e consequentemente de conseguirmos levantar as pesadas sanções que estão a cada dia a ser impostas contra a Guiné-Bissau depois do advento de 12 de Abril, é de se pôr a funcionar os órgãos de soberania de Estado, ou sejam, a Assembleia Nacional Popular, a Presidência da República e o Governo.

Nas circunstâncias actuais quem pode extinguir ou dissolver a ANP?

Muitos afirmam, na mais pura ignorância, que a ANP seria um nado-morto a partir do dia 28 de Novembro, data em que os resultados oficiais foram proclamados em 2008, termina a actual VIII Legislatura. De acordo com o artigo 54º do regimento da ANP cada legislatura tem a duração de 4 anos e inicia-se com a proclamação dos resultados. Assim sendo e apesar da legislatura aparentemente terminar a 28 de Novembro de 2012, a legitimidade da ANP mantém-se até que os novos Deputados da Nação a serem eleitos nas próximas eleições legislativas tomem posse, dando início à IX Legislatura, cabendo neste período o funcionamento da ANP assegurado pela sua Comissão Permanente.

Outros e tendo como pano de fundo o posicionamento do PRS, apoiado pelo Estado-Maior General das Forças Armadas, de se continuar a manter Sory Djaló, 2º Vice-Presidente da actual Mesa da ANP, como Presidente em Exercício da Assembleia Nacional, para o qual foi imposto, segundo o Secretário-Geral do PRS, AugustoPoquena e pelo próprio golpe de Estado de 12 de Abril, apesar de toda a legitimidade que assiste o PAIGC nas suas reivindicações tendo como base da sua sustentação a Constituição da República e Regimento da ANP, qual o órgão com capacidade para extinguir ou dissolver a ANP.

Em abono da verdade, diga-se que o PAIGC, pelas informações que nos chegam da comunicação social nacional e internacional e pelos documentos que tem produzido e neste particular, os seus memorandos, com particular destaque para os terceiro e quarto, tem demonstrado maturidade política, humildade e responsabilidade. Aliás, ao longo deste processo, o PAIGC tem pautado por uma actuação digna de respeito e admiração, como o demonstrou bem recentemente Luís Oliveira Sanca, chefe da delegação negocial do PAIGC, que ao contrário do seu homólogo do PRS, assumiu a humildade e a responsabilidade nas suas declarações à saída de uma reunião quadripartida (Presidente da República de Transição, Estado-Maior General das Forças Armadas, PAIGC e PRS).

Voltando a extinção ou dissolução da ANP, quem o poderá fazer?

O Presidente da República de Transição por força das disposições constitucionais não o pode fazer, a que se juntariam, entre outros, a falta de argumentos legais e políticos para sustentar essa decisão.

Como já não existe o Comando Militar, extinta em documento enviado oficialmente à CEDEAO, o Estado-Maior General das Forças Armadas também não o pode fazer, porque é uma estrutura que funciona sob a directa dependência do Ministro da Defesa e do Governo e sem poderes constitucionais ou legais para consumar esta anunciada extinção ou dissolução da ANP e a criação deum Conselho Nacional de Transição (CNT) com poderes legislativos e com propensão para eventualmente barrar políticos que não estejam alinhados com os promotores do 12 de Abril. Aliás, os acontecimentos do 21 de Outubro, pelas declarações que têm vindo à praça pública, quer de um certo sector do PRS, como da ala ilegal do PRID, a ala “cadoguista”, por eles intitulada não só sabia como faziam parte do grupo golpista…

Voltando aos cenários de uma possível e já esperada extinção ou dissolução da ANP, uma solução possível é oressurgimento do Comando Militar, que se encarregaria de produzir um golpe sobre o seu golpe e consumar pela via das armas, uma vez mais, a extinção dos órgãos de Estado legitimamente constituídos através das urnas. Recorde-se que a CEDEAO nas suas Cimeiras realizadas em Abidjan, Dakar e Abuja, defendeu sempre e de forma clara e explícita nas suas Resoluções o funcionamento da Assembleia Nacional Popular, rejeitando de forma categórica a criação, o acordo assinado a 17 de Abril entre o então Comando Militar e 24 Partidos Políticos assinantes do Pacto de Transição, criando o Conselho Nacional de Transição, ao tornar explícito no ponto 27 da Resolução da Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo, que a CEDEAO não reconheceria nenhuma transição anti-constitucional.

É de pensar e aceitar que a CEDEAO não alinharia com os cenários de dissolução ou extinção da ANP assumidos pelo PRS e pelo Estado-Maior General das Forças Armadas e também sub-repticiamente pelo próprio SerifoNhamajo, Presidente da República de Transição, ele próprio escolhido e designado pela CEDEAO. Recorde-se que a CEDEAO fixou um prazo de 12 meses para o período de transição, tendo a Assembleia Nacional Popular como órgãos encarregado de fiscalizar e legislar no período de transição, tendo como tarefas urgentes e imediatas proceder a uma revisão constitucional e a lei eleitoral, tendo para o efeito, aconselhado a eleição de uma nova Mesa da ANP, com vista a assegurar uma transição em conformidade com a Constituição Guineense.

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