segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Guiné-Bissau: uma reflexão patriótica – Parte 4


"Golpe de Estado de 12 de Abril de 2012: Balanço 1

Passados 152 dias (cerca de 5 meses) desde a data do golpe de estado de 12 de abril de 2012, e depois da solução que foi "imposta" ao país pela CEDEAO (Presidente e Governo de Transição) em Maio, é chegada a hora de fazermos um balanço do que foi e do que tem sido a Guiné Bissau, desde este fatídico acontecimento. Digo fatídico porque por tudo o que se tem passado, não houve nada de postivo em termos politicos, sociais, económicos etc etc. Vamos a factos e realidades concretas:

1 - A nossa casa de democracia (ANP), ou seja o nosso parlamento, única institução que foi "poupada" no golpe e garante do estado de direito no país e de fiscalização da acção governativa, tem sido palco de disputas e "confrontos" que em nada a prestigiam, por isso não houve consenso sequer para a eleição de uma nova mesa para a prossecução dos trabalhos no momento em que se tornou indispensável a sua operacionalidade. Como é possivel não haver consenso numa instituição em que cerca de 67% dos deputados são do do PAIGC. Quantas leis/propostas aprovou a ANP nos últimos meses? Os deputados eleitos pelo povo e representantes do povo teem tido condições para exercerem o seu mandato? A resposta, meus caros compatriotas é Nada/Não.

Enquanto o cidadão normal sofre com a situação sócio-económica do país, assistindo ao seu definhar, impotente para a resolver. Será isso que queremos para a nossa pátria? Será isso que o Amilcar Cabral sonhou para a Guiné e Cabo Verde? Será que queremos voltar à estaca zero depois dos progressos alcançados nos últimos anos? A resposta, meus irmãos mais uma vez é Não. O que é preciso neste momento é que a vontade dos cerca de 33% não se sobreponha aos restantes atrás citados, para se poder respeitar a vontade popular que é sagrada em democracia. Tudo isso se passa perante a passividade da CEDEAO, assistindo impávida e serena a esses tristes acontecimentos. Sinto-me tentado a citar Martin Wolf, famoso colunista do Finantial Times "Antes de destruirem alguém, os deuses colocam essa pessoa à beira da loucura".

Não pode haver nenhuma solução estável, duradoira, aceitável e democrática que ponha de fora o PAIGC, por isso, se compreendem as últimas movimentações da comunidade internacional (ONU e UA) neste sentido, na linha do que a CEDEAO tem defendido nos últimos tempos. Por isso, urge uma solução inclusiva para podermos sair do lamaçal/pantano em que estamos mergulhados e acabar de vez com o isolamento internacional a que estamos sujeitos.

2 - A nível económico/financeiro, o país tem assistido à deterioração de todos os indicadores macroeconómicos, decorrentes do nosso isolamento e da paupérima situação interna que, em nada contribui para o estabelecimento de um clima de confiança tanto dos consumidores como dos investidores, num país em que a actividade produtiva se concentra maioritariamente no sector primário.

Nas perspectivas económicas em África 2012 para a Zona dos PALOPs (Edição regional de Maio) elaborada por BAD, OCDE, PNUD, Comissão Económica para África é dito de forma clara que "...o grupo também inclui dois “estados frágeis”, a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, com o primeiro a enfrentar uma contínua instabilidade política, que entrava o desenvolvimento económico..." e que "Com excepção da Guiné-Bissau todas as economias lusófonas vão ver o seu desempenho económico fortalecido em 2012 e 2013".

A GB em 2009, 2010 e 2011 teve uma taxa de crescimento de 3%, 3,5% e 5,3% respectivamente e a manter se o cenário politico-militar e economico do último ano, todas as previsões apontavam para um crescimento na ordem dos 4,6% em 2012, e 4,9% em 2013. Entretanto, para o ano corrente, por causa do golpe foram revistos em baixa (2,8%) e neste momento, temo que caminhemos para valores negativos (recessão). É claro que esse crescimento, não significou automaticamente que se aumentou o nível de vida, devido, naturalmente à distribuição do rendimento/riqueza, mas não deixa de indiciar um caminho sustentável de progresso e de desenvolvimento económico.

É preciso lembrar ainda, que a exportação castanha de cajú que representa cerca de 15% do PIB, vai ter uma quebra de mais de 50%, tendo ficado por escoar mais de 75 mil toneladas e mais de 30 mil por colher. Ainda temos que ter em conta que o acordo de pescas assinado com a União Europeia já não está em vigor (representava cerca de 9,2 milhões de Euros/ano ou seja cerca de 5% do Orçamento de Estado para 2012).

A inflação, que atingiu 4.6% em 2011, em 2012 estava projectada para 3,4% e deveria baixar em 2013 para 1,9%, situando-se abaixo da norma de 3% estabelecida pela União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA). O que está a acontecer neste momento é uma subida generalizada dos preços dos bens de 1ª necessidade, o que faz inexoravelmente disparar a inflação para valores acima dos do ano transacto.

Na Administração pública (essa minha paixão), assiste se ao desmantelamento da respectiva estrutura por via de uma "dança de cadeiras" impressionante, de duvidosa legalidade, para um periodo de transição que se prevé de 1 ano, pondo em causa todos progressos ultimamente alcançados. A propria nomeação do novo PGR, parece me inoportuna e pouco sensata.

3 – A nível social, assistimos com mágoa, à desagregação do tecido social, numa sociedede já em si bastante fragil. A sociedade está dividida. Entre os prós e contras. O povo está manietado, sem possibilidade de se manifestar ou reivindicar nada. Mas mais grave ainda é ver alguns discursos a incentivar ódios e "confrontos" tribais, com consequências muito nefastas para a coesão social, que era até há bem pouco tempo uma das nossas grandes conquistas.

Por outro lado, convém não esquecer que a Guiné-Bissau, ocupa um modesto 176º lugar no ranking do Indice de Desenvolvimento Humano 2011 (IDH) da ONU, tendo mantido a mesma posição de 2010. Não é dificil perceber que a tendência é que nos afundemos cada vez mais na tabela.

No mesmo sentido, podemos considerar que o cumprimento de alguns Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) até 2015, se era dificil de alcançar com a trajectória que vinha sendo seguida, torna-se nesta fase completamente impossível. Estas duas vertentes atrás mencionadas estão ligadas a implementação do Documento de Estratégia Nacional de Redução da Pobreza da Guiné-Bissau (DENARP II – 2011/2015), que tem apoio da comunidade internacional e como todos sabemos está em stand-by. Por isso, o futuro da GB é muito preocupante.

Por tudo que aqui foi dito e do muito que ficou por dizer, só posso concluir que o balanço é muito negativo, não ganhamos nada com o golpe. Como disse uma conterranea nossa durante uma conversa: "Nós Guineenses temos que corrigir os nossos erros e não perpetuá-los".

Num livro recentemente publicado com o título "Why the Nations Fail" (Porque Falham as Nações), os autores defendem que os fracassos das nações não se devem a questões geográficas, climatéricas ou culturais mas sim às instituições. Por isso, só um quadro institucional estável, credivel e em liberdade motiva ciclos de investimento, de inovação, de expansão e de prosperidade. Na GB, as instituções não estão a funcionar neste momento, reina o caos, ninguem se entende, não há tolerancia, e acima de tudo não há respeito pela soberania popular. E a culpa é de todos, temos que admitir que não temos sido capazes de responder aos anseios do povo e dos sonhos de Amilcar Cabral. Mas mesmo assim, ainda vamos a tempo e não nos podemos considerar um estado falhado.

Fonte dos dados: Perspectivas Financeiras para África 2012, African economic Outlook, Relatório do IDH 2011, DENARP II (2011 – 2015)

Nota 1 – Felicitar o MPLA pela vitória categórica nas eleições do passado dia 31/08/2012 e principalmnte ao povo Angolano pela forma ordeira como decorreu todo o processo. A África no geral e a CPLP, em particular só se pode orgulhar desta grande lição de civismo e de democracia.

Nota 2 – Uma palavra para Cabo verde – que com o lema "Mudar para competir", lançado recentemente, vai operar uma grande reforma estrutural na Administração Pública local.

Nota 3 – Uma palavra para o Senegal, pela adopção da lei de paridade do género que institui a igualdade do número de homens e de mulheres ao nível do parlamento, tornando no único se não um dos poucos casos do genero em todo o mundo.

Lisboa, 10 de Setembro de 2012

Eduardo Jaló
Licenciado em Gestão e Administração Pública"