sábado, 13 de agosto de 2011

Quem quer jogar à roleta russa na Guiné-Bissau?



Por Paulo Gorjão*

"Numa altura em que as feridas abertas pela crise política e militar de Abril de 2010 estão ainda por sarar, eis que a Guiné-Bissau volta a viver dias de agitação e instabilidade política. No mês passado, por duas vezes, milhares de pessoas vieram para as ruas exigir a demissão do primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, acusado na praça pública de ter estado envolvido em 2009 na morte do presidente Nino Vieira e do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), Tagmé Na Waié, bem como na dos deputados Hélder Proença e Baciro Dabó. A onda crescente de agitação política - pacífica, até ao momento - já levou à demissão do procurador- -geral da República, Amine Saad, facto que não terá apaziguado os manifestantes.

Na terça-feira, depois de auscultar a opinião de diversos actores institucionais, o presidente Malam Bacai Sanhá veio esclarecer que de momento não existe uma crise política que ponha em causa o normal funcionamento das instituições. Não pondo em causa a sua leitura, note-se no entanto que o Partido da Renovação Social (PRS) - o maior da oposição - podendo apresentar uma moção de censura no parlamento, optou por transferir a luta política para as ruas. Igualmente importante é que, à revelia da Procuradoria-Geral da República e do sistema judicial, o PRS atribuiu ao primeiro-ministro a responsabilidade por factos de que o mesmo não foi formalmente acusado.

Um dos dados positivos a registar é que até ao momento as Forças Armadas permaneceram à margem da disputa política. O actual CEMGFA, António Indjai, parece estar a desempenhar o papel de tampão institucional, salvaguardando os militares da turbulência política. Todavia, importa lembrar que Indjai, em Abril de 2010, chegou a ameaçar de morte Carlos Gomes Júnior, tendo na altura tentado proceder, sem sucesso, à sua destituição. Na melhor das hipóteses, Carlos Gomes Júnior tem no CEMGFA um aliado circunstancial.

Conseguirá Carlos Gomes Júnior resistir uma vez mais à instabilidade política?

Embora o PAIGC, que Carlos Gomes Júnior lidera, tenha a maioria absoluta no parlamento, o primeiro-ministro sabe que se submeter uma moção de confiança à votação não é seguro que ela obtenha a maioria dos votos. Igualmente importante é que Carlos Gomes Júnior sabe que não tem em Malam Bacai Sanhá um aliado na presidência da República. Se a tudo isto se juntarem os cálculos que os diversos actores políticos começam a fazer, quando se aproximam as eleições legislativas de 2012, podemos deduzir que os próximos meses poderão não ser fáceis para Carlos Gomes Júnior e para a Guiné-Bissau.

Ironicamente, esta nova onda de instabilidade ocorre numa altura em que a União Europeia iniciou o processo de restabelecimento progressivo da cooperação com a Guiné-Bissau. Na actual conjuntura, seria um pesadelo com consequências imprevisíveis que uma nova crise voltasse a afectar o normal funcionamento das instituições.

Ao contrário do que sucedeu no passado recente, Portugal dificilmente teria condições para, uma vez mais, defender a Guiné-Bissau nas instituições internacionais. O governo português não teria condições e, muito possivelmente, não teria também vontade de voltar a fazê-lo. Se alguém quiser jogar à roleta russa em Bissau, terá de o fazer por sua conta e risco.
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(*) Paulo Gorjão, é Director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS