quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O caminho para a perdição

Saímos de Bamako no dia 8, com destino a Kayes - 680 km de estrada alcatroada (os últimos cem um pouco maus). A andar 130/140 km hora, e a 65 km do nosso destino, calhou-nos um buraco mais largo do que o nosso carro. Um baque forte e seco deixou-me em alerta e com os sentidos apurados. Uns kms mais adiante, decidi, por instinto, parar para atestar o depósito de combustível, e...tinha o pneu esquerdo da frente furado. Mas, felizmente, ainda estavámos no Mali!

Colado à estação da estação de serviço, onde abastecemos (eram umas 20:30h), vimos fogareiros a crepitar e alguma agitação) "Colam pneus aqui ao lado", disse-nos o afável empregado da 'bomba'. Deixei o carro descair uns trinta metros e já está. Parecia magia. Fermé! Mas havia um número de telemóvel escrito a tinta de óleo, no muro. Liguei e passei ao Mussá. Tínhamos acabado de travar amizade com o Mussá, e o nosso socorro vinha a caminho.

Pusemo-nos então a conversar com o Mussá. Um jovem na casa dos 20 anos, alto e fino como um ponto de exclamação, mas bastante inteligente. Via-se que estudou. E que sabe do que fala. Gabou o trabalho feito pelo Presidente Amadou Toumane Touré (ATT, como o tratam por todo o Mali), mas também reconheceu que faltava fazer alguma coisa (Roma e Pavia não se fizeram num dia, e o Mali agora completou 50 anos de independência. Dou um exemplo: se a Guiné-Bissau completar 50 anos de independência, e estiver desenvolvido como o Mali que eu vi, então podemos estar descansados. Mas a Guiné-Bissau, coitada, não tem, ainda, os seus filhos mais capazes a governar. Só vemos analfabetos, analfabrutos e um mar de incompetentes funcionais!

Chegou o nosso salvador. Vinha com um sorriso estampado no rosto, e trazia a farda de trabalho vestida. Olhou para o pneu que eu já tinha começado a desmontar (o tempo era essencial), e pediu-me que me afastasse, coisa que fiz. Tirou o pneu, colou-o e voltou a montá-lo em menos de meia hora. Pagámos e selamos aquele momento com um aperto de mão e a felicidade em todos os rostos.

Chegámos a Kayes e fomos directos ao hotel. Havia quarto, e, imaginem, água quente na casa de banho! Foi uma benção!!! De manhã, ao pequeno almoço, telefonei a agradecer ao mecânico salvador. Infelizmente o meu bambaram não tinha progredido desde a noite anterior e peço ao recepcionista para fazer de intermediário. Este também muito simpático, traz um folheto consigo. Era do turismo da cidade de Kayes. Ficámos a saber que decorria o Festival International Kayes Medine Tamba. Por falta de tempo e, no fundo, já saciados de festivais de música, decidimos ir visitar o forte, ainda que não estivesse nos nossos planos. A estrada para o Forte de Medina - perguntei ao funcionário do hotel - é boa? Dá para ir, respondeu. E lá nos metemos ao caminho. Assim que atravessámos a linha férrea que liga Mali ao Senegal, quase que perdi a esperança na humanidade. A estrada – se é que a posso chamar assim – mais não era que um amontoado de pedras que pareciam brotar do chão como cogumelos (a sua pavimentação, entretanto, está para breve, como mais adiante se verá).

Nem percorremos dois quilómetros, quando precisei de fazer uma travagem... carrego no pedal do travão, e senti-o fugir até fazer contacto com o chão do carro. Estava sem travões. “Pas de freins!” – disse para o nosso ‘guia’. Descontraído, apenas respondeu «ah, ok! Mais c’es déja lá le fort». E lá continuei a guiar por uns bons 10 kms, sem travões e num carro de caixa automática! Até que vislumbrámos, ao longe, os traços do Forte. Uma dezena de camiões circulavam pela ‘estrada’ (há uma mina de brita na estrada que leva ao forte), levantando uma enorme nuvem de pó branco.

Chegámos. O Forte de Medina, situa-se a 12 kms de Kayes e data do século XVIII. Foi erigido em 1885 pelo general francês Faidherbe para proteger a cidade de Medina contra os ataques das tropas toucouleurs d’El Hadj Oumar Tall, que ameaçavam os interesses comerciais franceses. Visitámos a messe dos oficiais, a residência do comandante, a campa de Marie Duranthon (filha de um explorador francês da época), a prisão, o monumento aos mortos. No exterior do Forte, visitámos o mercado dos escravos, a gare ferroviária, o cemitério Real (onde repousam Hawa Demba Diallo - que cedeu a Faidherbe o terreno para a construção do Forte), e a torre onde era guardada a reserva de ouro da França durante a II Grande Guerra. Repousam, assim, no impotente Forte, mais de dois séculos de história.

O Forte está em reconstrução, e os trabalhos avançam a bom ritmo. O Presidente do Mali, ATT, foi quem colocou a 1ª pedra, o que mostra a vontade que o País tem na recuperação e na preservação do seu passado histórico, que é isso mesmo – História. E a nossa ‘estrada para a perdição’, a que leva ao Forte e nos custou os travões, será finalmente alcatroada. Uff!!!

De regresso, fomos a uma oficina e resolveu-se o problema. Um pedregulho partira um dos cabos e um líquido escuro pastoso colou-se à jante. Seguimos depois para o hotel Maida, para agradecer ao Mussa, o nosso ‘guia’, o facto de nos ter sugerido essa visita ao Forte de Medina, na cidade de Kayes, de onde é natural.

A nossa ideia era dormir em Bissau no dia 9, mas já não fomos a tempo e ficámos a dormir num hotel muito simpático em Koukandé, com um grande jardim.

Voltamos a fazer-nos à estrada pela manhã, depois de um pequeno almoço com pão, mel, café e leite. Mais oitenta e tal quilómetros até Diboli. A viagem fez-se de um só fólego. Depois, tínhamos muita estrada (má) até Tambacounda e ainda havia que chegar a Velingara. E é no Senegal onde tudo quase cai por terra. Como não havia nenhuma placa de sinalzação a indicar Guiné-Bissau (o que mostra o grande respeito que o Senegal tem por nós), só havia uma coisa a fazer: perguntar. Acontece no entanto que pusemos mal a pergunta. E fomos induzidos em erro. Em vez de entrarmos em Ouassadou, seguimos a estrada e fomos dar a Diaoubé. A Gendarmerie mandou-nos parar, e, meio educadamente meio a gozar na nossa cara, mandou-nos dar meia volta e seguir para Ouassadou. «Têm que sair pela fronteira onde entraram», disse-nos o gendarme. Mas estava enganado. Podíamos entrar, garantiu-nos um polícia senegalês, na fronteira de Pirada, em qualquer uma. Estávamos a sair do território do Senegal.

Mal atravessámos a fronteira, voltámos a ficar sem travões. Porém, desta vez, não havia mecânico, a não ser 53 kms mais à frente – ou seja, em Gabú. Lá conseguimos chegar, sem precalços de maior. O único senão foram as lombas (ou melhor, muros) que a população ergue nas estradas, junto às povoações. Cada uma mais alta do que a outra. Em Gabú, parei num mecânico para me certificar do problema. Era um cabo partido, mas agora do lado direito. Decidi não ‘perder tempo’ e arranquei rumo a Bafatá – uma estupidez. Felizmente tudo correu bem. Bafatá/Mansoa, também. E assim continuou até Bissau.

Quando cheguei à Chapa de Bissau, por volta das 15:30, era o caos: de um lado da estrada, de repente havia cinco faixas de carros. Camiões da Arezki numa grande azáfama, ninguém controlava o tráfego, não havia um polícia. Era a Bissau que deixarámos havia uma semana. E de que dá pena falar... AAS